domingo, 27 de julho de 2008

Teoria física de uma epifania.

Eu tinha me levantado mais cedo contra a minha vontade. Seria muito mais prazeroso continuar absolutamente imóvel e deixar que minha mente me levasse de volta às coisas irreais. Mas fiz um esforço e movi o primeiro músculo. Depois disso fica mais fácil. É como a teoria do atrito: a força para vencer a resistência deve ser maior, depois disso a força a ser aplicada para produzir movimento é menor.
Então, quando já estava envolvida nas tarefas que eram o motivo para eu fazer o esforço de me mover, descobri que não precisava fazer nada daquilo.
Mas quando se começa a fazer uma coisa dá menos trabalho apenas continuar fazendo, mesmo que sem propósito. Segundo Newton, um corpo em movimento tende a permanecer em movimento até que algo o faça parar. Continuei na inércia sem pensar direito em nada. Quem sabe eu ainda estivesse dormindo a essa altura. Ou era o transe provocado pelos fones de ouvido.
E é sempre nessas horas que se tem revelações introspectivas. Me lembrei de uma frase ecoando de longe na minha memória, na voz do Schieber. Algo sobre a diferença entre o tratamento que homens e mulheres dão para a solidão. Claro que carregada de psicanálise, pois veio do Schieber, mas a frase é verdadeira. E como um tapa na cara, percebi o quão mulher eu sou. Sinceramente, não gosto de me sentir tão mulher assim. Tenho preguiça da prolixia psicológica que as mulheres têm. Prefiro o pragmatismo da psicologia masculina, muitas vezes mais sincero e despreocupado que as mulheres são sem querer admitir.
Como ultimamente diz a minha irmã (esse é o mais novo jargão dela), eu percebi que estava no foco errado.
E na mágica instantânea das minhas seqüências supersônicas de pensamento lógico, dissolvi meus pensamentos a partir do centro. Pense numa vasilha com água até a metade e uma camada fina de óleo por cima. Quando se deixa cair uma única gotinha de detergente no meio, a camada fina de óleo de desfaz rapidamente a partir do centro até as bordas, como uma onda. O detergente faz com que a tensão superficial da água diminua e, como é emulsificante, envolve o óleo e permite que este se misture com a água. Engraçado eu ter chegado a esse ponto de pensamento no momento em que jogava uma gotinha de detergente dentro de uma panela.
Algumas atividades cotidianas simplesmente acontecem. Uma seqüência de movimentos reflexos habituais que dão sempre na mesma coisa. Como lavar louças que se entulham na pia da cozinha, preparar a cama quando vamos nos deitar e quando nos levantamos, dar comida e água para o cachorro pela manhã, caminhar até a padaria e voltar olhando para o caminho familiar no chão, as familiares falhas na calçada, aquele familiar matinho que cresce no canto do meio fio que vimos nascer e crescer nessas idas à padaria durante meses...
Graças aos momentos em que não penso em absolutamente nada, ganho ótimos motivos para pensar em tudo.
Usando o domingo para matar a saudade de Placebo, negligenciar a pressa por algumas horas para só poder me culpar por isso mais tarde, escolher horas avulsas para botar minhas habilidades culinárias em pratica e fazer uma banana flambada que não foi flambada (tinha tudo que uma banana flambada tem que ter, menos o conhaque), juntar forças pára me levantar daqui, reparar em como o clima de férias é tóxico. Estou impregnada pela preguiça. Preciso de correria! Um corpo parado tende a permanecer parado até que algo o faça se mover. A forçã inicial é sempre mais difícil de se conseguir, mas o consolo é que depois que o movimento começa, ele tende a continuar até que chegem as próximas férias, as próximas quedas de humor, as próximas crises de insegurança, os próximos domingos.



►Impressionante como as músicas só vêm traduzir o humor de cada dia em uma série de barulhinhos.