quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Um homem por um dia, ou Nietzsche.

Ele tinha acabado de passar por uma grande mudança. Alguém que trabalhava em algum departamento qualquer que fazia parte de um enorme sistema burocrático tinha cometido um erro. E, de repente, ele não era mais ele(a) mesmo(a). Nada havia mudado na verdade, mas como cada dia é um, cada tarde é outra.
Sinto não ser capaz de informar o verdadeiro motivo ou caminho racional que o levou a isso, mas não havia mais nada para fazer ou pensar naquele emaranhado de carros e reflexos do sol nos retrovisores. Ele estava chorando. Chorando porque ele não queria mais ser corajoso, não queria mais esse trabalho de publicidade, vendendo idéias sobre si mesmo.
É verdade que é muito mais fácil, e por que não cômodo, viver miseravelmente que enfrentar o problema. Ele estava cansado, esgotado pelo esforço repetitivo, também muscular, tostado pelo sol insensível daquela tarde. Ele tinha um destino onde não queria chegar. Tinha medo do que poderia estar por lá espreitando nos cantos. É verdade que nessas épocas solitárias da vida nos tornamos um pouco paranóicos.
Ele recitava para si mesmo tudo aquilo que sabia há tempos. Ele não queria mais ter motivos para repetir aquele mantra.
Então ele gritou. Berrou. Quase explodiu suas cordas vocais.
Não adiantou. Só parou de chorar porque as lágrimas já estava embaçando a sua visão. Foi uma buzina que o trouxe de volta à “realidade”. Ele estava se deixando levar pelos pensamentos de novo. Parecia irremediável essa vontade que seu coração tinha de se entristecer, de se sentir desesperançoso.
Então ele secou o rosto, pregou um sorriso amarelo na boca e continuou em frente. E seu dia se desenrolou como outro qualquer, porém retorcido. É que ele estava passando por uma época de poucos motivos e muitas preguiças. Mas havia ainda uma coisa que fazia nascer aquela axplosãozinha nuclear no peito. Às vezes parecia um motivo pequeno, ou insuficiente para se justificar uma vida inteira. Mas ele estava apenas sendo ele mesmo. Ao fim, seu dia tinha valido a pena.
Mas até onde vai essa explosão nuclear? Porque ele não conseguia. Ele preferia chorar pela morte de alguém que ainda amava que aceitar a morte de alguém que havia amado.
O dia seguinte viria mais rápido que ele imaginava. Ele voltaria àquele gabinete do departamento qualquer que fazia parte de um enorme sistema burocrático, e a mudança seria revertida. Ele voltaria a ser ela(e) mesma(o). Então voltaria a se lembrar daquilo que podia ver, mas não sentir. Um dia acabaria se convencendo de que sempre esteve certo e um dia, quem sabe, voltaria a estar completamente errado.
Ele não queria mais chorar, ele não queria mais sorrir...
Daí pra frente, ele olhava para os dias de forma diferente. Botando um pouco mais de fé em seu próprio mantra, se enchendo novamente de coragem, se provando capaz (e por que não o seria para qualquer coisa no mundo?). E novos motivos vieram. A maioria deles visavam a si mesmo. Mas essa era uma lição aprendida, desaprendida e que deveria ser reaprendida (como tantas outras coisas).


►Uma estratégia eficiente para lotar uma sala: use uma conjunção no título de sua apresentação e acrescente “Nietzsche” (o mais novo certificado cult na nossa cultura pós-pós-moderna). Pela lógica clássica, quando acrescentamos um elemento a uma premissa através de um simples “ou”, contanto que pelo menos um dos elementos seja verdadeiro, a premissa é verdadeira. Assim, ninguém pode reclamar quando você não falar PATAVINAS de Nietzsche!