Já tentei de tudo que me veio na cabeça. Mas parece que morrer afogada é mesmo o passatempo preferido. Se eu fosse um gato, já teria ultrapassado meu limite de mortes possíveis. Mas ainda estou aqui, só não sou eu mesma.
Eu queria me livrar daquela frase. Ou melhor, daquele verbo. Parece que um dia ele me viu de longe, pensou que eu seria um alvo fácil e me prendeu, de todas as formas possíveis. Mas esse verbo vem e trás consigo o peso do mundo inteiro. Por alguns meses fiz um exorcismo de verbo em mim, deixei de dizê-lo, depois deixei de pensá-lo... Deixei o verbo pra lá.
Agora me volta um vislumbre dele na esquina. Eu o abandonei, mas ele continua me perseguindo pelas ruas, esperando o momento para me possuir novamente.
Mas agora que eu sei que ele está ali, virando a esquina... o que faço com ele? Assumo novamente o vicio? Corro o risco de me acostumar de novo? Entro novamente em uma montanha russa sem paradas pra descanso?
Que tal começar com outro verbo?
Então eu respiro mais fundo, fecho os olhos como que tentando me concentrar, coloco a mão sobre a mesa e com muita calma deixo outra frase escapar: “eu gosto de chocolate.”
Uma alternativa quem sabe? Para escapar de mim mesma e das minhas próprias armadilhas.
Hoje o dia está mais frio. Hoje eu estou mais fria. Clarões de consciência me deixam assim, indiferente quanto ao que vejo acontecer. Porque sempre que eu descubro uma verdade, ela envolve o fato de que eu não exerço influencia alguma sobre nada. O máximo que eu posso fazer é ser eu mesma. Tirando toda a complexidade que essa idéia trás, já não é isso que eu faço diariamente? Então foda-se.
Às vezes é bom se preocupar. Às vezes o melhor mesmo é ser negligente.
Mais um. Posso até colecionar. Estou gostando dessa historia.
Eu quase sempre me sinto presa dentro do meu corpo. Porque ele é limitado (e bota limitado nisso), porque ele é físico demais. Porque ele me faz perceber que eu tenho medo do que existe além dele. Por que eu tenho medo do vazio? Porque o vazio é grande demais para caber na minha cabeça. Essa minha cabeça que tem tamanho normal de cabeça de ser humano, limitada pelo espaço, prendendo por dentro tudo isso que eu chamo de eu. Mas no vazio não há eu. Não há nada. Não há haver. E nem a negação. Pra onde eu vou? Ou pra quando?
Solidão é o fato. As pessoas tentam fugir dela. Eu tento é aceita-la como a coisa bonita e intrigante que ela é. Ninguém nunca vai compartilhar o meu vazio, justamente porque estamos todos limitados nos nossos corpos. Um corpo não é se não uma prisão isoladora.
Ninguém me viu, porque eu não fui lá. Em outro mundo distante, há outras coisas que importam. Outros insights de percepção. Outras irritações, que levam a brigas, que levam a olhares tortos, que levam a meias conversas, que levam a pesares, que levam a noções erradas, que levam à preguiça generalizada, que leva ao descontentamento, que leva à procura, que leva à iniciativa de dizer a primeira palavra. Que leva ao que não se sabe mais onde vai dar. O mundo não é racional, nem aqui nem na China. E onde é que vai dar a próxima resposta? Não me espanta esse meu medo de continuar retrucando. Nesse outro mundo distante, eu sou uma covarde paralisada e presa no próprio corpo. Qual das duas é mais eu? Essa que pensa e forma frases bonitas, ou pelo menos intrigantes, ou aquela outra, que não consegue transformar pensamento em ato? Acho que prefiro ser inteligente que ser covarde.
Porque eu perco o meu tempo? Porque se não for para perdê-lo, o que mais posso fazer com ele? Aproveitar com o que? Tempo é uma coisa tão idiota...
Mas aí, de novo, bato com a testa na porta com o letreiro de letras garrafais:
“Ninguém sobrevive de mundo das idéias.”
►Olha o estrago que a filosofia fez com essa pessoa... é um caso perdido.