É por causa dessa coisa presa, sem saída. É por causa da vontade de me libertar de mim mesma. Tem um motivo para a minha vontade de pegar cada pensamento e colocar em papel. Na verdade tenho vários motivos. Há um ou dois anos descobri porque eu sempre chorava pela simples menção de falar dos meus sentimentos, digamos, ruins. Eu nunca falava de mim, era por isso. Eu deixava o que eu sentia para lá, como se não importasse, e por isso eu tornava o meu lado ruim inexistente. Quando acabavam por puxar a minha língua, me obrigar a falar coisas que nem eu sabia que estavam presas na minha cabeça, eu tinha que encarar os meus pensamentos como verdades. Enquanto eles não eram verdades não me doíam, entende? E então, graças à presença de uma pessoa, eu aprendi a não irrealizar os meus sentimentos enquanto os escondia até de mim mesma. Agora eles estão todos aqui: vivos, reais, completamente conscientes de si. Mas é agora que eu sinto o peso deles. Antes eu não precisava encarar as coisas que não existiam para mim. Agora eu tenho que viver confinada comigo mesma, o tempo todo. E a solução, a única que consigo encontrar, é falar. Aqui estou eu, escrevendo tudo que penso, tentando (de formas enigmáticas) contar para o mundo sobre o que eu sinto. Alugando os ouvidos de cada um dos meus amigos (aqueles em que confio) para jogar fora meus pensamentos. Isso tudo porque tenho a esperança de que falando eu posso me livrar do que está aqui dentro. Mas isso não acontece.
Quando eu escrevo eu tento descolar a minha mente de mim e cola-la na tela do computador. Ver se fico livre dela por alguns minutos. Mas isso não acontece.
Quando leio, me escondo por trás de um livro, mergulho em outro mundo cheio de complicações a se pensar, finjo que não sou mais eu, esperando que a “eu” que conheço se dilua no marasmo de idéias irrealmente reais. Mas isso não acontece.
É tudo momentâneo. Eu volto a ser eu um minuto depois.
Me deitei na minha cama e escondi meu rosto da luz. Quase não conseguia respirar, mas isso não era o que mais incomodava. Eu estava(ou) presa. Trancada por dentro e por fora. Não encontrei formas de jogar para fora o que estava inchando dentro de mim. Então contraí. Contraí cada músculo que consegui. E com tanta força que fiz, as lagrimas irromperam com vida própria. Surgiu a dor de cabeça insuportável. Veio para justificar a dor nas idéias. Pelo menos que eu tenha um motivo físico para me sentir miserável. Melhor que morrer enforcada por corda alguma. Ninguém está sempre do meu lado, me lembrando do fato berrante: eu detesto Ninguém.
Então o mundo ficou roxo... fosco. Eu não queria fazer força para focalizar, para falar, para olhar em outra direção se não o vazio. Para responder perguntas ou faze-las.
Desci e peguei uma lata de cerveja. Se eu beber bem rápido, quem sabe seja o suficiente para que eu me sinta um pouco mais leve. Leve? O peso só aumentou. Mas agora o que está pesado são os meus braços, minhas pernas, minhas pálpebras. Prefiro a dor física à dor das idéias.
Então tudo que eu queria era uma música extremamente barulhenta. Daquelas cheias de guitarras pesadas, grossas, guturais. Bateria hiperativa, berros e mais berros. A resposta divina veio num flash de nostalgia: Linkin Park!
Já tinha anos que não me sentia sequer parecida com isso. Quem sabe porque desde algum tempo atrás eu aprendi a bloquear o caminho para esse ponto. Mas, devido às circunstâncias internas do meu mundo nesse mês, eu mergulhei de cabeça na miséria de ser eu mesma por completo. De forma totalmente desconfortável devo admitir que senti saudades de sentimentos de tão baixo calão. Não sei bem por que, tenho um certo sentimento de carinho pela minha tristeza. Ela significa algo afinal de contas.
Como eu havia previsto, eu voltaria à montanha russa em breve. Me sentir um nojo de ser vivo não quer dizer que eu não me sinta divina. Os meus dias passam a ter um caráter meio bipolar em certas épocas da minha vida. Em menos de duas horas consigo passar de um voar sereno e azul para um pousar turbulento em chamas. Na ultima vez que isso me aconteceu nessa freqüência, acabei decidindo que iria tirar férias do parque de “diversões”. Então vivi uns cinco meses de uma vida sem graça, sem sal, parada, estática, sem ondas, sem cores, sem areia, sem motivo para pérolas. E por escolha totalmente consciente, decidi voltar à montanha russa depois de me entediar bastante com o mundo plano a dez por hora. Daí vem o meu carinho pela miséria. É quase como um estado maníaco voluntário. Aliás, é isso mesmo.
A minha noção de eu está nesses momentos inenarráveis. O sentimento inefável de ansiar pelo indesejado. O excesso de vida e o horror da morte.
Afinal, o tubarão conceitual existe, e hoje ele me atacou.
Pena que esses momentos são tão estranhos que parece que eu os inventei.
O Nada e o Tudo andam de mãos dadas. São os dois indizíveis, impensáveis, imensuráveis, incompreensíveis e inescapáveis. Morro de medo daquilo que mais me dá prazer em “viver”: minha capacidade de pensar.
►Cansada, em todos os sentidos: ontológico, existencial, epistemológico, diário, artístico, botânico, pediátrico, hermenêutico, homeopático, aromático, pluviométrico, idiossincrático, ebuslístico, fantasmagórico, heremaico, hidrogênico, radioativo, organizacional, ferrenho, piegas, cítrico, abundante, cromático, alumínico, remoto, palindrômico, gramático, nipônico e blinkflítrico.