Eu tentei (re)começar a ler a droga do texto. Quando termino o primeiro parágrafo, percebo que estive refletindo sobre a sonoridade da letra F. Disso passei para uma contemplação breve de como se produz cada tipo de som misturando-se movimentos labiais, da língua e o cálculo exato da quantidade de pressão do ar a passar na garganta. Da segunda vez que tentei começar a ler o texto, minha mente recitava as silabas enquanto Vivaldi “cantarolava” como plano de fundo. Então resolvi ouvir a música de verdade. Foi pior. A tentação a fechar os olhos e prestar atenção unicamente aos meus ouvidos venceu. Na terceira vez resolvi que música não iria me ajudar em nada. Fiquei apenas eu e o texto sob a lâmpada amarela. Eu, meu texto, a lâmpada amarela e a sombra que a luz amarela acima de mim produzia: o formato da minha cabeça desenhado sobre o texto. Então meu caderno e suas cores, a minha mão virada e o lembrete escrito nela que me fez lembrar da situação da Juliana pedindo indicação de oftalmologistas bons em BH que atendam pela Unimed, eu escrevendo o lembrete em vermelho na mão esquerda. Eu me concentrando no texto do Figueiredo e apoiando a cabeça justamente na mão esquerda e, depois, a Tayane e a Juliana rindo horrores da minha cara e do lembrete em vermelho carimbado na minha testa.
Cheguei então à conclusão de que não conseguiria ler o texto. Um simples e inofensivo texto sobre ética. Deve ser só pelo fato de ter que escrever um trabalho livre demais e valendo pontos demais. A situação da produção do trabalho comprova o que vou escrever nele: a liberdade é um horror!
E o meu tempo está correndo. Arrumei várias desculpas para adiar esse trabalho mais alguns minutos. O banho, a janta, a conversa sobre os problemas familiares (que aliás estão ficando cada dia mais absurdos), a conversa sobre tudo e nada com a Lika... até escrever isso aqui... mas vou ter que aceitar o fato de que se eu não me concentrar nesse texto inofensivo, as conseqüências não serão nada inofensivas.
Estou experienciando um sentimento ínfimo de... noz. Imagine ser uma noz. Sinto-me assim!
►To the ministry of silly walks, please!